sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Discurso de Mariz em Defesa de Humberto Lucena em 1994

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Indignação pela inelegibilidade do
senador Humberto Lucena
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O Sr. Antonio Mariz – Sr. Presidente, sras. e srs. senadores, não concederei
apartes, nos termos regimentais.
Não quero solidariedade; assumo solitariamente a responsabilidade
pelas palavras que vou aqui pronunciar.
Começo lendo um manifesto que distribuí na Paraíba sobre o julgamento
do senador Humberto Lucena:
A Paraíba acaba de sofrer a mais dura e cruel das injustiças. Não é
Humberto Lucena a vítima. A vítima é a Paraíba. A decisão do TSE é o
retrato moral das elites brasileiras. No Brasil, os homens de bem devem
ser cassados e presos. Esse Tribunal é o mesmo que garantiu aos corruptos
o direito de candidatar-se. É o mesmo que reformou as decisões dos
Tribunais Regionais dos estados. Estes negaram aos que tiveram suas
contas de governador rejeitadas pelos tribunais de contas e pelas assembléias,
que foram condenados por corrupção e roubo dos cofres públicos;
a estes os tribunais dos estados negaram o direito de ser candidatos.
Mas o TSE, o Tribunal Federal, mudou essas sentenças. Disse que sim,
que os ladrões carimbados pelos tribunais estaduais podem ser candidatos.
E o são. Wilson Braga foi governador da Paraíba por três anos.
As contas dele de dois anos em três foram recusadas pelo Tribunal de
Contas e pela Assembléia Legislativa. Por corrupção, roubo de dinheiro
do povo. Os paraibanos também julgaram Wilson Braga duas vezes: em
1986, quando se candidatou a senador e em 1990, quando se candidatou
novamente a governador. O povo paraibano também condenou Wilson
Braga. Derrotou-o nas urnas por maioria desmoralizante. Mas Braga é
de novo candidato. O TSE garantiu-lhe o direito de ser candidato. Wilson
é também marido de Lúcia Braga.
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Publicado no Diário do Congresso Nacional, Seção II, de 15 de setembro de 1994, p. 5195.
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Lúcia em toda a sua vida só exerceu uma única função de governo:
mulher de governador e da famigerada Funsat, a fundação de assistência
social e fisiologismo então existente. Pois bem, as contas de Lúcia
também foram rejeitadas pelo Tribunal de Contas do estado. Mas Lúcia
é candidata ao governo do estado. O TSE garantiu também a ela esse
direito. O TSE garante a corruptos carimbados o direito de ser candidatos.
Já Humberto Lucena não pode ser candidato por que fez calendários
e mandou a seus eleitores na Paraíba. Isso agora é crime. Durante
10, 20, 30 anos, sempre, deputados e senadores de todo o Brasil fizeram
calendários pagos pelo Congresso e mandaram a seus eleitores. Nunca,
em qualquer tempo, nenhum promotor público, nenhum procurador da
República, nenhum procurador da Justiça Eleitoral, membro do Ministério
Público, estadual ou federal, nenhum juiz, nenhum tribunal, nenhum
deles achou isso errado ou ilegal. Todos os senadores e deputados,
nos últimos cem anos, fizeram calendários e mandaram a seus eleitores.
Quem não fez calendários, fez cartões de Natal e mandou a seus eleitores.
Cartões de Natal e calendários são exatamente a mesma coisa: uma
saudação de final de ano, desejando felicidade e prosperidade no Natal e
no Ano Novo. Esse Tribunal que nega a Humberto o direito de ser candidato
é o mesmo que até hoje não julgou Collor, o mesmo que até hoje
não julgou PC Farias.
Faz dois anos que o povo brasileiro expulsou Collor da Presidência
da República. Fui o relator do processo de
no Senado Federal. Meu parecer condenou Collor. No processo de
impeachment do presidente
impeachment
que será votada por todos os senadores.Tenho o orgulho de dizer que
ninguém, nesse tempo, ninguém, da oposição, nem do governo, ninguém
teve a ousadia de ir ao meu gabinete para pedir que eu votasse a favor ou
contra o presidente. Não sofri pressão de nenhuma natureza. Porque todos
sabiam, pela história dos meus atos e posições no Congresso Nacional, que
a minha decisão seria baseada nas provas contidas nos autos do processo.
Se Collor fosse inocente, juro que teria declarado a sua inocência, ainda
que o Brasil desabasse sobre mim. Mas ele era culpado e declarei sua
, o relator é o juiz que instrui a prova e formula a sentença
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culpa. Meu parecer foi aprovado, e decretado o
em nome do povo brasileiro, cumpriu o seu dever. Pois bem, até hoje,
dois anos passados, Collor não foi ainda julgado pela Justiça brasileira,
nos crimes comuns da competência do Poder Judiciário. Continua solto,
e à medida que passa o tempo será amanhã absolvido sob o argumento
capcioso de técnicas jurídicas. Quem viver, verá.
Já Humberto, que fez calendários em novembro do ano passado,
quando não era candidato a nada, nem havia campanha eleitoral deflagrada,
Humberto não pode ser candidato. Todos os demais senadores
e deputados que fizeram, sem exceção, calendários e cartões de Natal
podem ser e são candidatos. O TSE dá a eles esse direito. Somente Humberto
Lucena foi condenado. A Paraíba deve perguntar por que só Humberto
é culpado?
A resposta é clara.
Porque Humberto, um paraibano, um nordestino, teve a ousadia de
presidir um dos Poderes da República. Duas vezes em oito anos presidente
do Senado e do Congresso Nacional. Isso as elites brasileiras,
concentradas no Sul do Brasil, não admitem. Os jornais do Sul, as grandes
revistas, todos os canais de televisão sediados no Rio e São Paulo
juntaram-se, acumpliciaram-se, formaram a quadrilha dos interesses
nacionais e internacionais para exigir do TSE a cassação do registro de
Humberto, do paraibano, do nordestino, do pau-de-arara, do paraíba,
como eles nos chamam com desprezo – que teve a ousadia e grandeza
de presidir um dos Poderes da República.
O TSE, retrato e imagem das elites brasileiras, pusilâmide e torpe,
rendeu-se ao fascínio dos holofotes da televisão, armados em plena sessão
do Tribunal, como se aquilo fosse um circo, e não a mais alta corte
de justiça do país. O TSE rendeu-se à pressão dos interesses escusos
dos separatistas que pregam a divisão, a fragmentação do Brasil, para
expulsar-nos como párias da nacionalidade, nacionalidade que é mais
nossa do que deles. O TSE rendeu-se à cruel barbaridade desses interesses.
Cassou o registro de Humberto Lucena. Um único juiz, o ministro
Diniz de Andrada, teve a altivez, a hombridade, a coragem moral de,
contra tudo e contra todos, sustentar a lei e proclamar a inocência de
impeachment. O governo,
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Humberto. Esse homem honra a Justiça brasileira e resgata a credibilidade
do Poder Judiciário em nosso país.
Se a Paraíba fosse incapaz de reagir à violência que se comete contra
o mais ilustre dos seus filhos, se faltasse à Paraíba a capacidade de indignar-
se, de revoltar- se diante de tão torpe injustiça, então serei o primeiro
a não querer ser o seu governador do estado. Preparei-me a vida toda
para governar a minha terra. Dediquei-me de corpo e alma a esse objetivo.
Talvez, contudo, o que me distinga, o que me diferencie da maioria
dos políticos seja o fato, marcante de toda a minha atividade política, de
que não adulo os poderosos, não cortejo nem sequer a opinião pública,
tantas vezes enganada pelos interesses escusos da imprensa nacional.
Ajo em nome de princípios e valores, que julgo expressarem as mais
profundas aspirações e padrões de conduta de nosso povo. Não pago
qualquer preço para chegar ao poder. Quero governar a Paraíba. Mas
quero governá-la em nome das forças progressistas, dos ideais da nossa
juventude, em nome dos homens e mulheres de bem que lutam, como
eu luto, para mudar o mundo, o mundo de injustiças em que vivemos.
Desejamos que não haja fome entre nossos irmãos; batemo-nos pela solidariedade
e fraternidade sociais; fazemos a razão de ser de nossa própria
existência a busca de uma democracia justa e humana, que tenha
por fundamento a justiça, a comunhão na prosperidade e na riqueza, a
dignidade de todos os homens e de todas as mulheres, a liberdade como
expressão do exercício dos direitos de cidadania.
Convoco a Paraíba a manifestar-se publicamente contra essa decisão
imoral do TSE. Não foi Humberto Lucena a vítima dessa violência.
Agredida e a insultada foi a Paraíba. As elites brasileiras querem fazer
do Nordeste a senzala de escravos para a mão-de-obra de suas indústrias.
Querem que o Nordeste seja a África antiga, de onde se pilharam
os escravos. O crime de Humberto Lucena é ser paraibano, é ser nordestino,
é ter ousado presidir o Senado da República. Uma justiça que só
mete na cadeia os negros, os pobres, os nordestinos, não merece o respeito
das pessoas decentes. Recorreremos ao Supremo Tribunal Federal.
Vamos mobilizar-nos para pressionar o Supremo. Vamos neutralizar as
pressões do Sul. Vamos para as ruas, em todas as cidades, vamos rebelar
PERFIS
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nos, vamos protestar. Acredito na Paraíba, acredito nos paraibanos. A
Paraíba tem dignidade.
Esse é o manifesto.
Concluo meu pronunciamento, Sr. Presidente, dizendo que acredito
também na dignidade do Senado, que assumirá, sem dúvida, a defesa do
seu presidente. O que está em jogo é a autonomia e a harmonia entre os
Poderes.
Lamento e estranho o fato de o ministro Sepúlveda Pertence não
se espelhasse na dignidade de Sydney Sanches, que agiu com energia,
agiu com retidão ao assumir todas as posições que a Presidência da
Comissão do
espelhado na honradez do ministro Luiz Octavio Gallotti, que, mesmo
sabendo que o seu voto em relação ao mandado de segurança contra a
decisão do Senado já nada decidia, votou contra essa sentença, votou
contra a opinião de todos os brasileiros para defender o que lhe parecia
ser um princípio de Direito, uma questão de consciência. Esses homens
honram a Justiça do Brasil.
Lamento que o ministro Sepúlveda Pertence tenha declarado que
não votou porque não havia matéria constitucional a ser julgada. O seu
notório saber jurídico, a reputação ilibada que a Constituição lhe exige,
não permitem a omissão, a deserção, a covardia dos que não sabem, não
querem e não podem – quem sabe – assumir a responsabilidade das
suas próprias posições.
Estou certo de que o Supremo Tribunal Federal assumirá a responsabilidade
de fazer justiça e repor em vigor as leis deste país. A questão
constitucional é evidente. A Constituição diz que todos são iguais perante
a lei. Por que só Humberto Lucena é cassado? A Constituição diz
que os Poderes são autônomos. O Tribunal Superior Eleitoral interfere
na autonomia do Poder Legislativo. O Tribunal Superior Eleitoral pode
bem declarar a cassação de registros, mas não tem competência para
decidir sobre inelegibilidades. Essa competência é do Supremo Tribunal
Federal e, mais, do próprio Senado: só o Senado pode julgar senadores.
impeachment lhe impunha. Admira-me que não se tenha
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A justiça, estou certo, se fará. O Supremo assumirá o papel de dignidade
e respeito que a nação lhe reconhece e corrigirá essa violência, essa
brutalidade, essa imoral decisão.
São essas, Sr. Presidente, as minhas palavras.
Creio na Paraíba, creio no Brasil e no seu povo. Por isso, também
creio na lei e na Constituição de nosso país.

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